2.3.07

Cardeal Patriarca

Enquanto católico, não posso deixar de comentar a entrevista de José Policarpo à Visão, que já tinha lido e voltei a encontrar referida no Jardim de Luz.


1- Gostei, como sempre, da postura democrática do cardeal. E concordo absolutamente quando ele afirma, sobre o último referendo, que aquilo que influenciou muitas pessoas foi a ideia da ameaça da prisão. O que não era sério. Há mais de 20 anos que ninguém vai para a prisão por fazer um aborto. E eu nunca acentuei a ideia da penalização, porque não é o nosso papel nem a nossa óptica". E, obviamente, continua urgente reflectir sobre os resultados de "estudos recentes [que indicam que] 76% das mulheres que abortam preferiam não o fazer, se tivessem ajuda ou alternativa. E isto é um desafio tremendo para toda a sociedade".

2- Não gostei de ler

"Pergunta do jornalista: Na nota pastoral, há uma referência à sexualidade desregrada (como uma das causas do recurso ao aborto). Isto não implica uma imposição da Igreja, na esfera dos comportamentos individuais?

Resposta: O problema é sempre o de saber se são valores católicos ou valores humanos que o Evangelho potencia. A maior parte são valores humanos! Aquilo que é estritamente católico é muito pouco. A questão da sexualidade é fundamental, das mais interessantes mas também das mais complexas. Não há sexualidade sem responsabilidade. Mas estamos numa de «faz o que te apetecer que depois resolve-se». Há perigo da sida? Tem solução... Há uma gravidez indesejada? Faz-se um aborto! Mas nunca ninguém levantou a hipótese de educar estes cidadãos para terem uma vida sexual... vá lá, normal!
"

A normalidade é um valor cristão? Que é isso, ser normal? Quem o define? Há anos era normal ter escravos, tal como era normal homens feitos casarem com meninas de 10 anos. Não era suposto seguirmos um homem que nos avisou contra o espírito dos tempos? O da sociedade mas também o da Cúria, senhor Cardeal.

3- Irritou-me o à vontade do cardeal nalguns pontos. Uma coisa é ter sentido de humor sobre si mesmo, outra é ter sentido de humor que envolva terceiros.

"E no futuro? Pode ser imaginável o casamento homossexual católico?

Só se for lá na tua terra... (Mais risos)
".

A piadinha era escusada. Mas ilustra claramente o quão primárias são algumas respostas de alguma Igreja. E este Cardeal até é (na minha opinião) dos melhores. Numa fase em que não aceitava a minha sexualidade por questões morais, foi por faltas de caridade como esta que consegui avançar. Não dá para levar a sério quem manda bocas à adolescente que se quer afirmar.

4- É de notar a afirmação "O Santo Padre toma uma posição e ela corresponde à sua opinião. Eu tenho a minha própria opinião e a minha maneira de ser cristão, desde que seja fiel à fé e à moral". Pois, ainda bem que muita gente pensa assim.

4 comentários:

Anónimo disse...

O senhor Patriarca de Lisboa, parece ser uma pessoa moderada e bem intencionada, mas não deixa de ser um "pau de 2 bicos"; afinal é membro da Igreja de Roma, verdade?

Anónimo disse...

mais vale seguir a maxima (com moderação:))de s.agostinho: ama e faz o que queres. o resto são interpretações... :)

Anónimo disse...

Como sabes, para a generalidade das Igrejas cristãs e das pessoas cristãs, a salvação de um homem depende determinantemente das condições precisas em que ejacula:

Com outro homem ou com mulher?

Se com mulher, dentro ou fora da vagina?

Se dentro da vagina, com ou sem preservativo?

Se sem preservativo, tomando ou não a mulher a pílula?

Não tomando a pílula, e sendo pelo menos um dos dois cristão, casados ou não canonicamente?

E por aí fora ...

Parece-nos absurdo, mas eles julgam mesmo que a salvação de um homem depende destas coisas ...

Não tenho notícia de, nos tempos de hoje, alguém ser afastado dos sacramentos por ser um grandecíssimo sacana para com os outros; sei lá, um daqueles "empresários" do Vale do Ave que rouba os salários dos trabalhadores para comprar um Ferrari ( o Vale do Ave tem a maior densidade de Ferraris do mundo ).

Mas se fores homossexual "praticante" ou hetero recasado, corres o risco real de um padre rigorista te afastar da comunhão, corres.

Nos anos 30 da nossa era, um Homem que andava pelos caminhos poeirentos da Galileia disse que era mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha que um rico entrar no reino de Deus.

Vinte anos depois, Paulo já dizia que os fornicadores, os homens de costumes dissolutos, etc, etc não entrariam no reino de Deus.

O cristianismo real, plasmado nas Igrejas que conhecemos, desenvolveu-se sobre as palavras de Paulo, não as de Jesus.

E, contudo, lendo os Evangelhos, é claro que o que Jesus condena é o exercício do poder de domínio de uns homens sobre os outros ( que a riqueza, entre outras circunstâncias, permite ) - não esta ou aquela moral sexual, se dissociada desse domínio.

Enfim, ...

É menos exigente desenvolver um conceito de pecado centrado na sexualidade.

Enquanto não sairmos disto, enquanto a Igreja se apresentar como a anunciadora de um código moral-sexual, e não como uma abertura para a experiência de uma relação amorosa com uma Pessoa, continuará a perder pé.

'jinhos,
ZR.

Anónimo disse...

Permite-me que dê os parabéns ao Zé Ribeiro, pelo seu brilhante comentário.É exactamente como ele diz!