6.6.06

Conversas

Curiosa, a conversa que tive ontem com um compositor. Confessa perder a uma classe encurralada pela globalização e em busca de um sentido de existência. Falou-me das cruzes que aparecem nas obras de Bach, quando se ligam as notas nas pautas. Ou como este faz aparecer nas mesmas os seus nomes, dos seus filhos, ou como aparecem menções a santos e episódios religiosos. Declarou-se-me um fetichista numérico: brinca com números nas suas composições, e é um perdido por quadrados perfeitos.

Enquanto há poucos séculos as obras eram compostas para serem agradáveis ao público (ou melhor, a um público, bastante selecto), ou para serem tocadas por reis, agora qual é a sua função? Da resposta a essa pergunta, respondeu-me, dependerá muito do futuro da música. Talvez a globalização promova a banalidade, mas a verdade é que génios há sempre, e "són siempre los que mejor entienden los sistemas sociales que los rodean". Gostei do optimismo desempoeirado.

Defendeu que a estética de um compositor não difere muito, em natureza, da de um arquitecto. Compõe obras com o objectivo de serem agradáveis para quem as ouve, mas não entendi em que medida é que os ouvidos têm de ser educados.

Ama o que faz, mas não nega a crise existencial da sua classe. Que, julgo, será a mesma de pintores, artistas plásticos e outros. Quase me apeteceu perguntar-lhe: a arte para quê?

Ele exprimia-se muito melhor, mas este vosso humilde escriba tem memória, não só ultra-sintética, mas também de galinha.

3 comentários:

Nuntius disse...

em vez de Bach podiam ter falado de Wagner...dava-me um geitão pa um trabalho!! ehe...em relação a tua pergunta aconselho-te a ler duas obras: "Sobre a educação estetica do ser Humano" de Shiller e as "Oscilações do Gosto" Gillo Dorfles não garanto que te respondam a questão...mas vão-te levantar uma sduvidas interessantes! ;)

Akele Abraço!

teresa.com disse...

ainda assim és também artista! Somos todos! Mas a musica tem, de facto, um encanto especial!

Anónimo disse...

Ui, que assunto ...

Se estivéssemos a falar de literatura, ou mesmo pintura, ... mas MÚSICA - de todas as formas de arte a menos ligada às representações que fazemos do mundo ...

Excluamos as óperas ( em que se enlaça com o teatro ), os lieder ( em que se enlaça com a poesia ), as oratórias e cantatas ( enlaces com outras formas literárias ), a música para bailado ( com a dança ), a música de programa - fiquemos só, para dificultar, com os ossos duros de roer: música sinfónica, música de câmara.

Excluamos da música sinfónica as peças com óbvia similitude com a música de programa ( p ex, a 6ª ), e da música de câmara as peças ligadas aos lieder ( p ex, vários quintetos de Schubert ).

Debrucemo-nos sobre o que resta ( que é tanto ... ). De que trata? De que se ocupa?

O que distingue, p ex, a 5ª da 7ª?

Quando o muro de Berlim caiu, a Filarmónica de Berlim comemorou tocando para o mundo a 7ª ( tão alemão ... só eles se lembrariam disto ). Os músicos tinham lágrimas nos olhos; os assistentes também; eu - que tinha as mais sérias reservas políticas ao sucedido - não consegui tirar os olhos da televisão, nem deixar de comover-me e chorar ( de alegria ). Porquê?

A 7ª contém ( sobretudo no último andamento ) uma impressionante impulsão de alegria e confiança, uma vontade indescritível de pularmos e alcançarmos o céu - e a certeza que havemos de o conseguir e a certeza que os sacrifícios feitos e a fazer não são vãos. Mais não posso dizer.

A 5ª associo-a a um desafio às contrariedades, à rejeição firme de um destino desfavorável, ao compromisso de tudo fazermos para não nos deixarmos abater. Mais não posso dizer

Dito isto, é claro que a 7ª era mais adequada que a 5ª àquele momento histórico.

A minha opinião é que a música DIZ alguma coisa sobre algo EXTERIOR a ela; e que o mesmo acontece com toda a obra de arte; de uma ou de outra forma; claramente, no caso do romance; menos claramente, na poesia; de maneira "emocional", não racional, no caso da música ...

Digamos que a música é, de todas as formas de arte, a que mais apela às nossas emoções, a que menos apela ao nosso raciocínio.

Os sons provocam certos estímulos no aparelho auditivo que são traduzidos em certos sinais eléctricos no cérebro. Pode acontecer que esses sinais sejam apreciados positivamente por estarem de acordo com certos padrões eléctricos neurológicos fundamentais; que os sons sejam apenas o instrumento que despoleta o prazer, que poderia ser obtido directamente por estimulação eléctrica; não sei. Mas estou convencido que é na parte "emocional" da nossa mente, não na "raciocinante" que está o centro do prazer musical.

Agora, pense-se na música erudita contemporânea. O equilíbrio entre conteúdo e forma rompeu-se a favor desta; não há conteúdo, quero dizer, a música não é SOBRE o que quer que seja; a gramática domina a semântica. Quando se compõe, p ex, em dodecafonismo, é a gramática musical que determina a série, não a vontade do compositor de exprimir isto ou aquilo. O resultado é uma música "boa para ler na pauta", quero dizer que apela ao raciocínio - quando a música é precisamente o oposto! Daqui a desafectação dos públicos por esta música.

Sou da opinião que, também para a música, vale a definição que o Eça põe na boca do Fradique: " A arte é o resumo da vida, mas feito pela imaginação".

Bjks, Abrs,
José Manuel.