19.5.06

Conceitos

Quando era miúdo, interrogava-me se veria da mesma forma pelos olhos de outra pessoa. Será que a cor a que chamamos verde é igual para todos? Ou poderia outra pessoa ver azul (o meu azul) a cor a que chamamos verde? Ou seja, a mesma cor poderia ser apreendida de forma diferente por ambos? Se assim fosse, como poderíamos saber?

Às vezes acontece o mesmo com outros conceitos. O conceito que eu designo por Amor não é necessariamente o mesmo para mim e para outra pessoa. Sei que me repito quando digo isto, mas é essencial ter essa noção. Dependemos das palavras para comunicarmos e nos exprimirmos, mas há erro associado às mesmas. A capacidade de sermos capazes de perceber as subtilezas da linguagem e dos conceitos, e de entender o que está por detrás da palavra que o outro usa, é fundamental.

Estas trivialidades são facilmente esquecidas. Pessoas aliás inteligentes podem gastar horas infindáveis a discutir sem se aperceberem de que cada um se refere a conceitos distintos (os políticos, descontando quando fazem de propósito, são um bom exemplo).

Em termos de comportamentos, passa-se o mesmo. A mesma acção (beijar, escrever uma carta, oferecer uma prenda) tem significados distintos para pessoas diferentes. Por isso mesmo pode ser tão complicado compreender uma outra pessoa - de facto, exige elasticidade. Mas às vezes esquecemo-nos disto, e elaboramos as nossas expectativas de um modo injusto. A forma como temos de julgar (no sentido de perceber) a forma de actuar da outra pessoa tem de ter em conta a perspectiva da mesma. Há pessoas para quem fazerem-nos um telefonema de cinco minutos tem mais dificuldade e mais importância que para outras disponibilizar um fim de semana para estarem conosco.

É óbvio que as nossas necessidades - e a possibilidade ou não de a outra pessoa as satisfazer - contam, mas muitas vezes construimos expectativas irreais, tendo como base apenas que aquilo que achamos normal. Não sou revolucionário ao ponto de desvalorizar a noção de normalidade, afinal somos produto de uma sociedade, mas às vezes há que ver mais longe. O que realmente se deve tomar em conta é aquilo que precisamos, aquilo que a outra pessoa pode dar, e o custo que isso tem para ela. Para tanto, é fundamental ter a capacidade de entender o outro. O que só se consegue tendo uma boa comunicação. Quando esta falha, não há Amor/amizade que aguente.

Não me consegui exprimir muito bem, infelizmente.

15 comentários:

Anónimo disse...

Acho que te exprimiste com muita clareza. Sobretudo nesta temática de tão difícil abordagem. E gostei..

Antonio

Mikael disse...

Ao ler o 1º parágrafo fui transportado para a minha própria infância. Tal era o meu fascinio pelo tema que tinha um "jogo" com o meu melhor amigo da altura. Um descrevia a cor sem usar os termos convencionais enquanto o outro de olhos fechado recriava a imagem mentalmente. E olha que a conclusão foi que o que se via era de facto diferente.

Foi pena não ter transportado esses ensinamentos para outras áreas da minha vida, porque isso de facto explicaria muita coisa. Dizem-me que sou muito exigente (comigo e com os outros) e que por ter uma ideia pré-concebida não dou valor aos outros actos... o pior é que é verdade.

Digo sempre que vou dar na mesma proporção do que me dão a mim, quando sei que há coisas que não são passiveis de ser doseadas e esquecendo que aquilo que me dão (afectivamente) por pouco que me pareça pode ser imenso. Se calhar o melhor é mesmo fechar os olhos e ouvir com os ouvidos do coração. (já agora porque é que se associa o amor e alguns outros sentimentos ao coração, sabes? nunca encontrei resposta a esta questão)

Para finalizar um comentário (ainda mais) parvo: Belo post, um daqueles que dá vontade imediata de comentar.

Abraço

Anónimo disse...

Dá-lhe mais uns mezitos e ainda o apanhas com posts semióticos sobre a relação entre o significante e o significado. Isto promete ...

Talking seriously: Não tenho tempo para comentar, mas, embora tenhas razão, olha que não se comunica só por palavras ou comportamentos. Um olhar, uma tremura na voz, um enclavinhamento ou uma lassitude nas mãos ( não são bem um comportamento ... ) às vezes dizem tudo.

Eu acrescentaria "gestos" às palavras e aos comportamentos; notando que é muito mais difícil pôr máscaras quando se trata de gestos.

Um abraço muito grande e bom fim de semana,

Zezinho Ribeiro.

Anónimo disse...

Tb acho que conseguiste!
Eu mesmo já me perguntei o mesmo, até sobre as cores. Será que o azul é igual para todos? E se aquilo que eu considero verde afinal é azul?Mas nunca niguem o vai conseguir ver pelos meus olhos, por isso... resta-me ter fé, que o azul é azul, e o verde, verde. Mas também já me perguntei como explicar a alguém cego, alguém que nunca viu, o que é uma cor? Alguém invisual desde que nasceu, é capaz de aprender que existem cores, que são diferentes, que azul é azul, que verde é verde, mas como é capaz de entender o que é uma cor se nunca viu. Enfim..
Relativamente às pessoas, a maioria não percebe o que acabas de dizer (penso eu...). ou melhor, percebe, mas no dia a dia esquece facilmente. As pessoas são todas diferentes, sentem de maneira diferente, amam de maneira diferente, têm atitudes diferentes face às mesmas situações. Mas existe sempre aquela tendência para " se fosse eu faria antes assim..."
Acho que antes de percebermos outra pessoa, temos que aceitar a outra pessoa. E para baralhar, as pessoas mudam, nós mudamos. O significado das coisas e dos actos mudam. Já beijei sem significado. Um toque de joelhos e uma toque nas costas já significaram muito. Tudo depende das pessoas, do tempo em que os acontecimentos acontecem...

Abreijo e Bom FDS
;)

Anónimo disse...

\me,

Para um Matemático, a situação tende a ser fácil. Defines primeiro o que é azul. Por definição, tem um comprimento de onda qualquer bem definidinho e pronto, já está, é igual para todos! E agora diz lá que não escolhemos bem! Olarelele!

Lições a retirar do que antes foi dito (além de que AR está a ficar maluquinha com as últimas 45 folhas de tex). A Física explica fenómenos vários, dos quais excluo a cabeça humana (o que engloba, o comportamento, lógico).

De qualquer forma, de um ponto de vista geral, há a questão do referencial, o que explica o que disseste. Além disso é bastante dificil estabelecermos condições iniciais e fronteira e coisas do género em relação às pessoas. Eu sujeito A - sou a minha história de vida, o meu passado (conjectura 1 de AR).

O sujeito A tem os mimos da sua infância que guarda como a sua mais bela recordação. O sujeito B tem os maus tratos da sua infância que tenta a todo custo esquecer. O significado de infância, qual é?

Precisava deste intervalo, desculpa se ficou longo.

Um beijo,
AR

PS - Zé_inho, e o olhar?? Tão mais importante que palavras...

Anónimo disse...

Ah, no olhar de uma pessoa cabe o mundo todo - incluindo o olhar de todas as outras.

ZR.

Anónimo disse...

Meninos (todos), a Primavera chegou, AR está feliz!

Beijos, imaginem de quem! AR! Não estavam nada à espera!!!!!!

Eu queria era ir fazer aquela bandeira para o mundial no meio de milhares de mulheres... A cara metade não gostou da ideia...

Olha, \me, não me perguntaste nada, mas se puderem sejam doadores de medula óssea, não custa nada e podem salvar uma vida com tanto valor... Pensem na vossa irmã, na vossa mãe, no vosso irmão preferido, no vosso pai, no amante das horas vagas, seja em quem for! Pensem que essa vida não vos custa nada. E essa vida é tão importante como a vossa. A associação que apoia as pessoas com aquela doença estúpida que de tão estúpida não devia ter nome agradece. Eu, na pessoa de AR e da mãe-de-AR agradecemos.

beijos de primavera!!!!
AR rejubila!!!!
Haja Deus k eu já merecia estar feliz, bolas!!!

assinado: guess whom!!!

Manuel disse...

Essa é e será sempre uma das grandes dificuldades das relaçöes humanas, sobretudo as de carácter mais íntimo, como o amor ou a amizade.
É verdade que, como disseram outros comentadores, há a linguagem näo verbal. Mas mesmo essa tem os seus códigos. Um gesto que para mim pode ser expresäo de uma certa intensidade ou qualidade de relaçäo, para o outro pode significar outro nível, outra intensidade ou outra qualidade.
Há depois as emoçöes e a linguagem emocional. Universal. Mas há também a alexitimia, ou seja a incapacidade de expressar as próprias emoçöes e de entender as dos outros...
Esta comunicaçäo será sempre difícil. Um princípio de soluçäo passa por um descentramento de mim, por um permanente esforço de ver o "verde" e o "azul" pelos olhos do outro... E passa, sempre, por estar "de boa fé", na vida e nas relaçöes. Acho eu... :)
Abraço e bom fim de semana

Nuntius disse...

Até te exprimis-te muito bem, pelo menos eu percebi….acho que todas as pessoas já pensaram no memos que tu… mas é sempre bom lembrar…lol… isto porque as faltas de comunicação existem… e as vezes devia-mos tentar ouvir melhor os outros…

Todas as pessoas são portadoras de um código linguístico comum, que pode depois oscilar conforme a utilização que é dada a palavra… o tempo/época em que a palavra é utilizada também são factores que importa ter em consideração … quem ler os elogios de escritores romanos aos seus Ditadores (dictator, oris) pode julgar que são loucos… isto porque ser-se ditador em Roma não e o mesmo que actualmente – este talvez n seja um bom exemplo, mas, foi o que me ocorreu – as palavras evoluem a medida que o tempo passa, como tudo…. E a sua definição altera-se muito mais… sobretudo quando mudamos o contexto (ex.: aquela rapariga é boa. Todos percebem o que significa porque já está institucionalizado mas o correcto seria dizer aquela rapariga é bonita… e se quisermos salientar os atributos da menina… estão vamos entrar num emaranhado de conceitos para o mesmo “objecto” – com o perdão da palavra – infindáveis. Alguns desses atributos podem ser expressões em vocabulário tão privado que podemos nem perceber o que esta a ser elogiado… e um elogio inocente pode passar a ofensivo. Se assim for é melhor pedir esclarecimentos antes de partir para a violência…hehe…

Não sei se fui muito claro…mas não me exprimo-me muito bem a escrever, sou (muito) melhor a falar.. mas bom algum dia me tinha de estrear a comentar o teu blog… gostei muito do texto…

Um forte abraço, que e o mesmo que dizer um abraço apertado… o que não significa que te vou esmagar, apenas uma demonstração de afecto…

P.S.: Mikael, um dia destes se tiveres paciência para me ouvir posso-te explicar… que nem sempre o amor e outros sentimentos de afecto estiveram ligados ao coração. Isso está muito ligado também com as manifestações religiosas… um dia se me der na cabeça ainda coloco um post sobre isso!!

/me disse...

AR, confesso a minha ignorância.

Podemos ser doadores de medula óssea onde? Como? Porquê?

Anónimo disse...

Sim, podes. Informa-te nos Hospitais Universitários de Coimbra.

Eu não posso: é preciso ter até 50 anos.
E também aos 60 tenho que deixar de dar sangue.
Envelhecer tem as suas chatices.

ZR.

paulo,sj disse...

Boa Tarde!

Acho que se exprimiu muito bem. Percebo que depois encontramos o limite de ser lido por várias pessoas e cada uma poder dar-lhe uma interpretação um pouco diferente. Riscos pelos quais passamos...

O ser humano é mesmo complexo. Pegando na imagem das cores, dentro do azul, p.ex, há muitas tonalidades, assim se passa um pouco connosco. Mesmo dentro de um grupo de pessoas que seguem um pensamento, acabam por ser diferentes nalguma coisa. Só na medida em que nos vamos escutanto, tentando perceber quem está do outro lado, é que podemos ver uma bocadinho mais da "unicidade" de quem está à nossa frente. E depois podemos tornar aquele gesto, aquele carinho, aquele "bom-dia", à partida banal, em algo muito especial...

Muito obrigado pelo texto!

Anónimo disse...

Quando eu era pequeno, pensei exactamente o mesmo. Sobre a diferente maneira de ver as cores. A única pessoa a quem eu expus tais pensamentos, foi ao meu pai, não conseguiu compreender tal teoria e ridicularizou-me. Senti-me estupido. Estava numa pensão quelquer na Serra da Estrela. :) Hoje ao ler o teu post, senti-me um bocado aliviado. Obrigado

Anónimo disse...

Sobre as cores e a sua percepção por um cego de nascença:

Alucina-me a cor! - o rosa é como a lira,/
A lira pelo tempo há muito engrinaldada,/
E é já velha a união, a núpcia sagrada,/
Entre a cor que nos prende e a nota que suspira.//

Se a terra, às vezes, brota a flor que não inspira,/
A teatral camélia, a branca enfastiada,/
Muitas vezes, no ar, perpassa a nota alada/
Como a perdida cor de alguma flor que expira ...//

Há plantas ideais dum cântico divino,/
Irmãs do oboé, gémeas do violino,/
Há gemidos no azul, gritos no carmesim ...//

A magnólia é uma harpa etérea e perfumada,/
E o cacto, a larga flor, vermelha, ensanguentada,/
- Tem notas marciais, soa como um clarim.///

( Gomes Leal )

Anónimo disse...

Sim, pode-se definir as cores em função do seu comprimento de onda, mas o que nós vimos é pessoal tem a ver com os filtros que temos nos olhos, dai que muitas vezes, por ex, as mulheres chamem verde e os homens azul (ou vice versa).
Tambem me transportaste à minha infancia, fartava-me de pensar nisso, e pensar no desfasamento entre as pessoas, e que se alguem recuasse "um passo" talvez conseguisse perceber o outro...
É tão complicado exprimir(provar) o quanto sentimos, quando a outra pessoa tem uma conversão diferente na sua cabeça... :-( e nós com a nossa...