4.3.07

Lá está

Às vezes lê-se alguém dizer tudo aquilo que se pensa e nunca se conseguiu exprimir:

Nos anos 80 do século passado, em contraposição ao socialismo democrático e à teologia da libertação, assistiu-se ao aparecimento e revitalização de uma nova teologia política: a neoconservadora. [...]

O seu objectivo fundamental é o de apresentar o capitalismo, tal como eles o entendem, como o sistema mais humano, racional e justo, sublinhando a afinidade que existiria entre esse sistema e a tradição judaico-cristã. Embora os indivíduos persigam os seus interesses próprios, no final, mediante um secreto desígnio divino e uma espécie de harmonia preestabelecida, precisamente do livre jogo de interesses individuais resulta a ordem social. E o mercado aparece com uma missão quase divina. O mercado é um pouco como Deus: Providência para todos. Se para alguns é causa de sofrimento e até morte, Ele saberá a razão pela qual isso acontece: será uma provação ou castigo; de qualquer modo, um sofrimento passageiro, que terá uma redenção final.

Temos aqui uma espécie de "mercadodiceia", como substituto da antiga teodiceia, portanto, o mercado como chave de solução dos problemas humanos e da felicidade.

No quadro do seu estudo crítico sobre os fundamentalismos, o teólogo Juan José Tamayo sublinha a importância do fundamentalismo económico neoliberal, com características de uma religião e uma teologia própria: precisamente a teologia do mercado.

É uma religião que quer passar despercebida, como se o não fosse. Eis algumas das suas características: o seu dogma fundamental são o poder e a força expansiva do Dinheiro, que se torna o comando do destino dos seres humanos e o controlador das suas consciências; anuncia o evangelho da felicidade aos pobres; os seus sacramentos são os produtos comerciais, envolvidos numa bela e atraente simbólica venal e que excita o desejo; como já Walter Benjamin tinha visto, os seus templos são os bancos; os seus sacerdotes são os banqueiros e grupos financeiros; a sua ética, isto é, contra- ética, é a da competitividade e lucro sem limites; o seu deus é o mercado, um deus com atributos de toda a divindade: omnipotência, omnisciência e omnipresença - e é um deus único, que não admite rival, de tal modo que R. Garaudy tinha razão ao falar do monoteísmo do mercado; os deuses da teologia do mercado, que são criações históricas, personificando leis da economia de mercado, apresentam-se como naturais, e a sua lógica é a violência sacrificial estrutural, em cujo altar se imolam vidas humanas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Como está no mesmo artigo umas linhas adiante, segundo as palavras de Jesus:

"Não podes servir ao mesmo tempo dois senhores: Deus e o dinheiro".

O dinheiro está aqui como meio - e símbolo - do domínio dos homens pelos homens: servires-te de o outro, em vez de servires o outro.

É claro que há muitas outras circunstâncias, que podem não ter nada a ver com o dinheiro, em que tal uso do outro se exerce, inclusive no âmbito do sexo. É por isto que também há pecados relacionados com o sexo: violação, pedofilia, adultério ( este num registo diferente ) ... Não pela violação de uma pretensa "lei natural", nome pomposo com que a Igreja e a Filosofia do Direito mais reaccionária baptizam os seus próprios preconceitos.

ZR.