21.3.07

Agenda gay

Segundo estatísticas recentes, em cada 25 minutos um homossexual ou bi é agredido fisicamente em Portugal. A taxa de tentativas de suicídio entre os adolescentes LGB é de cerca de 20-30% (transgéneros mais ainda, a rondar os 50%). Pais escorraçam os filhos, irmãos deixam de se falar, amizades são cortadas, tudo por alguém gostar de pessoas do mesmo sexo. Perante isto, dizer que não existe homofobia (e muita) parece-me delirante.

E é neste contexto que muitos vêm as "lutas" de muitos pelos direitos dos homossexuais. O casamento gay, o acesso à adopção... Pessoalmente, não é esse o prisma pelo qual analiso estas questões, não se trata de uma luta social, mas sim de uma questão de direitos humanos. Não é uma luta contra "o hetero mau e tirano", aliás, não é algo contra ninguém. É sim uma consequência lógica da dignidade intrínseca de qualquer ser humano, que não deve ser discriminado pela sua orientação sexual.

Pessoalmente, não vejo o mundo como sendo formado por heterossexuais e homossexuais. Vejo-o como sendo feito de pessoas. Assim, qualquer entidade daquelas que são hoje intituladas de "lobbies gay", apenas a entendo como consequência da homofobia e desigualdade que existe (homofobia essa que não é exclusivo de heterossexuais, claro). Gostaria que não fosse necessária, tal como gostaria que não existisse nenhuma "sub-cultura" gay, mas tudo isso vejo-o como subproduto de um sentimento de exílio de uma parte da população.

Aliás, acho que essa "sub-cultura" gay (gerada pela intolerância) provoca imensas distorções. E tal como hoje há gays que tentam ser heteros, acredito que haja heteros que tentam ser gays. Tudo isto advém da necessidade que temos de nos integrar nalgum grupo, e o grupo dos homossexuais pode ser aquele que por definição acolhe as diferenças. Paradoxalmente, quando se fala mais e mais em sexo, as pessoas parecem andar confusas relativamente à sua sexualidade.

A confusão pode ter várias causas, entre as quais as falsas dicotomias criadas na sociedade. Conceitos como "gay", "bi" ou "hetero" fazem sentido na nossa cultura, mas exprimem realmente toda a variedade do ser humano? Muitas vezes são palavras que prendem e não tanto palavras que exprimem personalidades. Aliás, até se chega ao ponto de associar à sexualidade todo um estilo de vida, como se ser gay obrigasse a vestir camisolas apertadas e ser hetero obrigasse a gostar de futebol.

Todos estes considerandos são (para mim) interessantes, mas fazem fugir do essencial: da pessoa humana, enquanto indivíduo. É que a homossexualidade, aliás, a sexualidade, tem de ser vivida pela própria pessoa da forma mais verdadeira e fiel a si mesma possível. Evitando os carneirismos que acabei de referir. E isso, só ela o saberá fazer. SE (grande se) a deixarem e a ajudarem... Se houver liberdade e informação.

Quanto aos direitos dos LGBT, vejo-os como direitos de indivíduos singulares que merecem o mesmo respeito que os outros. Não mais nem menos que isso.

10 comentários:

maria disse...

Boa reflexão, /me! Quando tiver tempo e disposição (sim, porque isto é como o sexo, não está sempre "à mão de semear");)escrevo alguma coisa no meu blogue.

Mas adianto que tens muita razão no que dizes.

Embora, esta coisa das minorias, são como sabemos.

Cresci numa aldeia onde o único gay que se conhecia (por alguns tiques, etc. Calma aí! que nem todos são e nem sequer devem ser, identificados pelos tiques)era o filho da ti'Piedade. E falava-se disso com reprovação, com exclusão, como comportamento censorável. Entretanto, havia homens com mulher e amantes, que exerciam violência física nas mulheres, mas esses eram normais para o padrão social da época.

Hoje, há por lá vários moços assumidos na sua sexualidade homossexual e toda a gente (quase) vê com a normalidade necessária para não criar exclusão. A relação desses jovens com as famílias, não sei. Não tenho a proximidade suficiente para saber como é. Mas num ou noutro caso, bem assumida.

Mas para resumir e repetir o que dizes - os direitos de qualquer homossexual ser respeitado, não são nenhuma colher de chá, ou docinho que se dá a uns pobres que nasceram diferentes de mim, são os inerentes a qualquer ser humano, independemente da sua orientação sexual.

O que define a pessoa é o ser pessoa (redundância da porra, mas não me ocorre outra)não a sua orientação sexual.

Maurice disse...

Bom texto.
Infelizmente, isto que dizes, que nos parece óbvio e evidente e tão natural como respirar, parece ainda fazer confusão a muita gente e deixar outros de "cabeça perdida"...
Mas pouco a pouco, a serena afirmação desses direitos vai fazer o seu caminho. Acredito.

Abraço

Play Dead disse...

Concordo com a maior parte das coisas que dizes. Mas, na questão da "sub-cultura" gay ser fruto de um sentimento de exílio já não sei se será bem assim... Uma parte até poderá ser, mas, do que conheço, penso que a grande maioria de homossexuais acabam por criar relações de amizade preferencialmente com pessoas que têm a mesma orientação sexual. Assim, acabam por se formar grupos gay (nunca te aconteceu ires a um jantar de anos de um amigo gay e só haver rapazes gay?), e desses grupos nascem os ditos lobbies. Acho realmente que a sociedade ainda tem muito para aprender, nomeadamente em relação à aceitação da sexualidade de cada um, porém também acho que a dita "comunidade gay" não se deverá afastar e criar os seus próprios guetos.

/me disse...

Play dead, entendo o que dizes. E sim, já me aconteceu. Mas creio que esse facto de muitos homossexuais criarem amizades por pessoas com a mesma orientação sexual é por se sentirem aceites, compreendidos, e poderem estar à vontade. Se a sociedade entendesse a homossexualidade como normal, sem juizos morais, isso aconteceria?
Eu diria que não (mas também não tenho argumentos muito sólidos, apenas me parece que é assim).

x4x_it disse...

Bem, concordo com tudo o que disseste. Para mim não existe o que se denomina de normal ou anormal...
Quem tem o direito de dizer que o normal é isto, ou aquilo? Ninguém. Cada um apresenta características específicas, positivas e negativas, para os olhos de outros, e nunca em absoluto. O mundo é construído pelo ser humano, seja ele homem ou mulher, tenha ele as características que tiver, os desejos, as ambições, as tendências, as apetências, ou mesmo os tiques! Quem nos diz a nós o que é ser normal? Apenas a sociedade que define um padrão de regulariedade e não de normalidade. O mundo é tão mais fácil se aceitarmos o outro como ele é, não o moldando à nossa perspectiva de normal.
O dia-a-dia é mesmo assim, constituido por pessoas, todas com o mesmo direito Nem mais, nem menos. Nada me parece ser contra natura. Se quiserem casar, força. Comprar casa, força. Adoptar, força. Não vejo isso como forma de perseguir sonhos que são considerados normais para uns e anormais para outros. Simplesmente porque isso não existe. Apenas o direito comum, e mais nada!

Muito obrigado por esta reflexão! O mundo dos blogs precisa de mais textos assim, não porque sejam normais ou anormais (e continuo a insistir!lol), apenas porque sabe bem ler algo que está tão bem escrito! :)

Mega abraço!
:D

maria disse...

/me,

venho só corrigir um erro de português:

não é censorável mas sim, censurável!

beijo

Play Dead disse...

Eh pá, acho que sim, que aconteceria. Acho que os gays têm muita propensão a criar relações de amizade exclusiva ou predominantemente gays. Não pela exclusão social, mas porque é o seu meio. Acho que só no meio de outros como eles se sentem 100% compreendidos. Por mais esforço que um homem hetero ou uma rapariga possam fazer para se integrarem num grupo de gays nunca irão perceber as conversas, gostos, tipos de relações, etc. Sinceramente, e pelos gays que conheço, acho que estes procuram meios e relações exclusivamente gays, daí a existência de uma praia 19, de um trumps ou de um finalmente...

Anónimo disse...

Este é um texto muito bom, sério e complexo, que fala em muitas coisas importantes.Concordo com quase tudo o que nele dizes.
Apenas, e não é uma crítica, é apenas uma (melhor, duas)achega para um debate que daria pano para mangas.
A primeira é o facto de alguns gays e até algumas organizações gay pretenderem transformar naturais anseios de igualdade numa espécie de "gueto", em que só o gay é bom, só ele tem razão...Mais importante que isso, será nós mostrarmos à sociedade que não somos diferentes, fazemos parte dela e não é o facto de sermos homossexuais que nos diferencia.
O outro ponto que foco, é eu pensar que potencialmente, todo o ser humano é bissexual, e que só o medo e a falta de oportunidade, muitas vezes não deixa vir ao de cima esse "outro lado"; não signigifica isto que todo o mundo tenda a vie«r aser gay, mas que tem em si condições para o ser e, claro, a inversa também pode verificar-se.

/me disse...

MC, já andava desesperado a ver onde estava esse erro para o corrigir, mas não fui eu que o dei, uuuf. :P
(mas podia tão facilmente ter sido!)

Play dead, não sei muito bem o que pensar. Eu não gosto muito de sítios exclusivamente gays. Consigo achar piada durante uns minutos, mas depois farto-me. E tenho amigos/as heteros que acho que me compreendem perfeitamente. Mas concordo que os gays têm propensão a criar relações de amizades com outros da "mesma condição". Não tenho grandes argumentos, apenas aquilo que intuo. :)

Pinguim, também critico a mentalidade de "gueto". Quanto a todos seres bissexuais, suponho que acreditas que o são com uma gradação diferente (e eventualmente mutável), mais a puxar para um lado ou para o outro?

Anónimo disse...

Amigo /Me
claro que sim, com diferentes gradações e naturalmente mais a puxar do hetero a tender para o bi.